sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

10 reais, o preço de uma vida

10 REAIS, O PREÇO DE UMA VIDA
* Murilo Badaró – Presidente da Academia Mineira de Letras
Eis o fato: na periferia de Salvador, uma jovem, casada, mãe de dois filhos, sofre ataque de asma e procura uma farmácia para comprar um remédio contra a doença, a famosa bombinha que dispara um jato de broncodilatadores diretamente no pulmão. Vai acompanhada de seu padrasto, que ao chegar à farmácia percebeu haver deixado a carteira de dinheiro em casa. Por sua vez, Viviane tinha no bolso somente 12 reais, enquanto o medicamento custava R$ 22. Corriam os minutos e cada vez mais aflita com o acesso de asma, que se agravava na proporção do aumento de sua angústia, as duas funcionárias da farmácia não atenderam aos apelos da paciente e de seu padrasto, sendo que este se ofereceu para deixar os documentos do carro como garantia de que regressaria com o dinheiro para pagar a despesa. Ao ver Viviane com os lábios arroxeados, sinal de agravamento da crise, desistiu da negociação com as funcionárias da farmácia, colocou-a no carro para conduzi-la ao centro de saúde mais próximo. No caminho e antes de chegar ao hospital, Viviane desmaiou e teve uma parada cardiorespiratória. Era grave a situação e os médicos não conseguiram reanimá-la. O episódio se passou desta forma aqui descrita.
Quem tomou conhecimento do fato foi dominado pela mais intensa revolta, já presente entre os familiares que viveram o drama causado pela insensibilidade de funcionários de um estabelecimento, cujo ramo de negócios, por sua natureza e por lidar com a saúde e a vida das pessoas, tem obrigação e o dever de não cuidar tão somente da questão mercadológica. Em minha longa vida, já ouvi muita gente ser chamada de comunista por protestar contra atos deste jaez, por clamar por vingança contra atitudes de desprezo pela vida humana em favor de lucros demasiados. Como comunista ficou fora de moda, quem protestar contra este desapreço pela vida humana pode merecer qualquer tipo de apodo. Impossível é permanecer calado diante de tamanha brutalidade, produto de uma sociedade cada vez mais massificada pela cupidez do lucro a qualquer preço, até mesmo pelo preço de uma vida. Não se constrói uma nação com comportamentos deste tipo, recebidos com uma indiferença que chega às raias do absurdo. A vida por 10 reais, foi o preço pago por Viviane no infortúnio de não possuí-los em instante dramático de sua pobre existência. Se as empresas têm por obrigação a busca do lucro, como fundamental à sua própria existência, há de se inserir neste conceito um mínimo de resguardo do interesse social, sob pena de cairmos num sistema de capitalismo selvagem, em que a vida humana não merece qualquer apreço. Pessoalmente, revoltado e chocado com o grau de desumanidade do triste episódio que vitimou Viviane, fiquei preocupado em não ouvir um só protesto, uma só voz clamando por justiça, um só político a sugerir providências junto ao governo para sanar este mal em escala nacional. Na sua Autobiografia, Norberto Bobbio sentencia que “o fundamento de uma boa república, mais até do que as boas leis, é a virtude dos cidadãos”, repetida em sua maravilhosa obra Elogio da sinceridade, que deveria ser o livro de cabeceira dos políticos brasileiros. O triste episódio sucedido em Salvador mostra como estamos longe de ser uma boa república, pela ausência de boas virtudes nos cidadãos comuns e nos homens públicos. Ao terminar esta crônica, desejo tributar , ainda que pálida, uma homenagem a um cidadão que possuía aquelas virtudes clamadas por Bobbio. A morte de Efigênio Gomes Pereira empobreceu a cidade de Gouveia e a região mineira do Vale do Jequitinhonha. Criador de sua cidade, a ela devotou toda sua vida como prefeito e soldado sempre entrincheirado na defesa de seus interesses. Tomei conhecimento de sua inumação sete dias após e somente pude oferecer ao saudoso amigo e companheiro de lutas políticas minhas orações e o preito de saudade. Um grande homem. (murilobadaro.blogspot.com)

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