domingo, 25 de novembro de 2007

O artigo da semana

BARBARISMO
* Murilo Badaró – Presidente da Academia Mineira de Letras
Não há adjetivação suficientemente forte e expressiva para qualificar os acontecimentos verificados no Estado do Pará, quando uma menina de apenas 15 anos, colocada presa numa cela de homens, foi vítima de inomináveis violências, muitas das quais se submeteu em permuta por um prato de comida malcheirosa e poluída. A trêfega governadora do Pará tentou justificar esta prática inqualificável com as desculpas formais de sempre, com o que nada explicou e acabou por devassar as entranhas do Brasil aos olhos do mundo como uma nação de bárbaros. Todos sabem do precário estado das prisões no país, do excesso de aprisionados, do mau tratamento que lhes é infligido, da prestação alimentar deficiente, quando não estragada. Mas jamais poderiam, pelo menos aqui no sul maravilha, adivinhar a existência de prisão masculina que também abriga mulheres, submetendo-as a toda sorte de sevícias e estupros. O mais grave em tudo isto foi a serenidade e a calma com que a governadora do Pará assinalou existirem outras prisões masculinas em seu Estado que também acolhem detentas. Transformaram-se em lupanares oficiais sob a custódia do poder público, pasmem todos. O descrito pela infante das sevícias sofridas durante o tempo em permaneceu presa na cela com 20 detentos, com conhecimento da Justiça e do Ministério Público, sob o silêncio cúmplice da Secretaria de Segurança, é um quadro de horrores que expõe o rosto do Brasil desfigurado ao resto do mundo e o sinal da falência do poder público naquela província do norte. O mais constrangedor em tudo isto é que o fato acontece coincidindo com a publicação do relatório da ONU de que há “tortura sistemática no Brasil”. Ao fazer tal revelação, o representante das Nações Unidas que visitou recentemente o Brasil observou pessoalmente a situação de várias prisões brasileiras, onde, em sua grande maioria, ocorre tortura sistemática, seja pela forma de espancamentos ou, em sua maior parte, pela negação de alimentação e condições de saúde com um mínimo de dignidade. Quando acontecem as rebeliões que, de resto, terminam sempre em incêndios, depredações e assassinatos, além de prejuízos materiais, a opinião pública tem uma fotografia sem retoques do estado de insolvência do sistema carcerário brasileiro. Mas o caso ocorrido na cadeia pública da cidade paraense ultrapassa todos os limites. Quando se flagram situações de corrupção permitindo a fuga de delinqüentes perigosos, quando são exibidas cenas de licenciosidade dentro de presídios durante visitas reservadas, quando fazem concessões irregulares a prisioneiros especiais, não faltam espíritos pouco atilados a justificar tais denúncias como exageros de imprensa. Em verdade, este é o estado de caos imperante no sistema presidiário brasileiro. Agora já apareceram pessoas a enxergar nas denúncias uma marcação contra uma governadora do PT, que até agora não se esmerou o suficiente para merecer os aplausos de seus conterrâneos, segundo se depreende do noticiário geral da imprensa nacional. Mas as explicações oferecidas pelo seu governo sobre a barbárie, a nota oficial de afirmações cediças de que não compactua com violação dos direitos humanos, quando ela mesma confessa a existência de generalizada violação nas prisões do Estado que governa, põem a nu tão somente a desatenção governamental para este aspecto fundamental dos direitos humanos, que é o tratamento desumanitário àqueles que já sofrem pela privação da liberdade. Se esta notícia fosse retirada dos jornais ao tempo da Grande Guerra de 39 a 45, era perfeitamente possível imaginar que o episódio da tortura contra a menor houvesse sido praticada pela Gestapo, numa cadeia da Alemanha hitlerista. Nada diferente do sucedido em pleno coração de um país democrático, em regime constitucional e com os direitos garantidos pela Constituição. Quando li esta notícia fiquei pensando nos palavrões que o presidente Lula deve ter proferido, quando ficou sabendo do episódio acontecido num Estado governado por correligionária sua, ao demolir num piscar de olhos todo o trabalho que ele vem fazendo para oferecer ao mundo civilizado uma imagem favorável do Brasil.

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