terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Lembrando Carlos Drummond neste carnaval

Para você curtir, literariamente, a palavra mais ouvida, exibida e desejada neste carnaval

A bunda, que engraçada
Carlos Drummond de Andrade

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
rebunda.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

A crueldade das dúvidas insanáveis I

O jogo em geral e o jogo do bicho em particular estão profundamente entranhados na alma nacional. Gilberto Freire definia como “espírito de salvação pelo acaso”. Machado de Assis tem um conto chamado O jogo do Bicho, publicado no volume Relíquias da Casa Velha, onde ele narra a obsessão de Camilo em busca do número do bicho em que depositava suas esperanças. Um dia ele acertou e o dinheiro ganho na loteria dos pobres daquele tempo e de hoje deu-lhe muitas alegrias, especialmente por comprovar que há alguma possibilidade de ter a sorte sorrindo ao seu lado neste jogo de 25 números e algumas combinações. Recordei o conto machadiano porque me lembrei de uma previsão do matemático Oswald de Souza de que é mais fácil uma pedra desprender-se da lua e cair em sua cabeça do que você conseguir acertar na loteria da mega-sena, algo assim como uma chance em 200 milhões delas. Como faço minha fezinha mínima na quarta e no sábado, fiquei intrigado com algumas coincidências que vou relatar e deixar ao leitor o julgamento ou a cruel dúvida insanável em sua cabeça. Estou usando o adjetivo insanável por haver o deputado castelão Edmar Moreira popularizado a palavra. Deus me livre de fazer juízos antecipados ou pré-julgamentos afoitos.

A crueldade das dúvidas insanáveis II

. O grande prêmio da mega-sena somente sai quando ultrapassa a casa dos 20 milhões de reais. Quando a bolada esta rondando a casa dos dois, três, até quinze milhões, aparece sempre o infalível resultado: ninguém acertou as seis dezenas e o prêmio está acumulado. Quanto atinge grande soma de dinheiro, trinta, quarenta, cinqüenta milhões, aparecerá sempre um ganhador em uma vila distante, num sorteio realizado em outra cidade bem longe, o nome do felizardo jamais aparece e o resultado fica resumido à curiosidade de saber quem foi o sortudo. Logo depois, cai no esquecimento. Não estou exagerando. Acompanhe o leitor os resultados a partir de agora e veja se não tenho razão. Loteria de governo, que pune o “jogo do bicho” como crime, deveria ser sorteada toda semana para dar àqueles que tentam a sorte um pouco de felicidade, como a do Camilinho do conto de M. de Assis.

A crueldade das dúvidas insanáveis III

. Tudo muito estranho, igualzinho a esta última pesquisa divulgada por instituto especializado. Segundo seus resultados conhecidos, foram ouvidas duas mil pessoas em 136 municípios, espalhados por 24 estados da federação. Deu em média 14,7 pessoas por município. Realmente extraordinário, fantástico mesmo, extrair desta amostra o altíssimo índice de popularidade presidencial e do governo, especialmente se comparada a pesquisas anteriores, que forneceram o seguinte resultado: 84 por cento defendem a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, 79 por cento são contra a descriminalização da maconha e das drogas, 63 por cento são contra o aborto e, surpreendente, 51 por cento querem a implantação da pena de morte. Estes números estão acordes a outros em que os brasileiros, num total de 47 por cento se definem como de direita, 23 por cento de centro e apenas 30 por cento de esquerda. Tudo ao contrário do que prega e faz o governo.

A crueldade das dúvidas insanáveis IV

Eis porque são cruéis e insanáveis as dúvidas. O efeito que a apresentação destes resultados produz na opinião pública está na razão direta do seu alto grau de desinformação, propiciando a grosseira manipulação que ganha foros de veracidade pela ausência de uma oposição competente e aguerrida. Os números identificam os indícios de que o universo pesquisado foi adredemente escolhido para produzir tal resultado, com a média de 88 cidadãos para cada unidade federativa objeto da avaliação. Seria possível avançar ainda mais nesta direção, para mostrar como pesquisas no Brasil são uma monstruosa contrafação, sintoma da saúde debilitada de nossa democracia e a prova provada de nossa passividade ante os reiterados abusos e agressões à lei praticados pelos que nos governam. Só há um caminho para fortalecer as instituições livres de uma nação, a reiteração de sua prática à exaustão, até um dia em que a verdade acabará por prevalecer.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

O Centenário do Padre Pedro Maciel Vidigal I

Seria imperdoável injustiça histórica para com as tradições de cultura e independência moral de Minas Gerais o silêncio em torno do centenário de Pedro Maciel Vidigal, o Padre Vidigal, representante do Estado por muitos anos na Câmara Federal depois de honrar a Assembléia Legislativa. Nascido em Calambau em 18 de janeiro de 1909, fez seus cursos de humanidades no Seminário de Mariana e depois de ordenado foi ministrar aulas no ginásio Dom Helvécio, de Ponte Nova, exercendo o vicariato em diversas paróquias da zona da Mata. Sua longa trajetória como sacerdote o levou a ser designado capelão militar do Exército em São João Del Rey e da guarnição militar da Ilha de Fernando Noronha. Sua atividade pública teve início como Técnico de Educação do Ministério da Educação e Cultura e nada impediu a floração de sua vocação política que desabrochou como deputado eleito para a 3ª Legislatura Estadual na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Orador primoroso, cujas palavras ditas com eloqüência ciceroniana estavam sempre lastreadas por sua vastíssima cultura humanística, Vidigal logo ganhou notoriedade e a simpatia da imprensa política pela sua franca e desabrida coragem contra os fraudadores da vontade popular, castigando-os com a força musculosa de sua palavra inflamada.

O Centenário do Padre Pedro Maciel Vidigal II

Os companheiros o respeitavam e, não raro, eram também verberados por atitudes marcadas pela leniência contra correligionários descumpridores dos deveres. Por isso, infundia respeito e certo terror da causticidade de seu verbo inclemente, sempre voltado para os superiores interesses de Minas e do Brasil. Homem de grande cultura, historiador e biógrafo, Vidigal retratou Amador Bueno e publicou vários ensaios sobre personalidades políticas e literárias, além dos discursos a respeito da situação nacional e de várias de suas personagens. Deixou uma obra notável sob o título No horizonte da imortalidade, um livro admirável sob todos os aspectos, quer como modelo de arte gráfica e técnica de impressão, no qual rende homenagem à senectude, segundo ele “um novo contrato com a existência a cada nova aurora”, ele mesmo modelo de uma velhice ativa, cheia de vida, alegre e de posse de todas as faculdades físicas e mentais. Nesse livro, Vidigal faz o perfil de vários cidadãos brasileiros que ultrapassaram os oitenta anos, idade a partir da qual, diz Vidigal, é que começa a velhice, é o vigor da inteligência e a notável erudição que o autor faz jorrar por todas as páginas

O centenário do Padre Pedro Maciel Vidigal III

. Além da obra Ação Política II, em que dá notícia de sua longa e fecunda atividade como parlamentar e conferencista, Vidigal brindou os leitores ao termo de sua incessante atividade intelectual com o livro Minha terra e minha gente, em cujas páginas narra a história de sua família e suas origens a partir do Inconfidente Ayres da Silva Gomes e suas raízes na zona da Mata, não se esquecendo de profligar a mudança do topônimo de Calambaú, lugar onde nasceu, para Presidente Bernardes, ato contra o qual se manifestou até quando a morte o conduziu aos braços de Deus. Patriota, homem de coragem, de grande bravura pessoal, deixou para os anais políticos a celebra frase que com reagiu às reiteradas invasões de propriedade em Minas: “armai-vos uns aos outros”. Um notável brasileiro e um grande homem. O centenário do deputado Padre Pedro Vidigal projeta sobre todos nós desejo natural de cotejar o tempo de sua representação política com os parlamentares de hoje, em Minas e no Brasil, para se identificar sério sintoma de apodrecimento da atividade política. Hoje, a ela têm acesso donos de castelos, empresários desonestos e fraudadores do fisco, compradores ostensivos de votos populares, enfim, uma categoria que não existia ao tempo em que o deputado Vidigal exercia seus mandatos. Se vivo fosse, teria escalpelado com ironia e força da palavra dura e ferina, além de culta, esses filhos bastardos da corrupção que enodoam o parlamento e emporcalham as mais caras tradições de Minas.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Meditando o orando com o poeta Murilo Mendes

Vai, Maria, vai correndo,(. . .)

Anuncia o Salvador
Que o Anjo te anunciou!
Lá vai Maria apressada,
Como sua vida mudou!
Inda ontem pulava a corda,
Feliz brincava de roda
Com as órfãs de Nazaré,
Agora já está casada,
Remendando a roupa toda
Do carpinteiro José!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Pensamento de Marco Aurélio para bem viver

9 - Sexto deu-me a lição de benevolência e o exemplo de uma família patriarcal; a concepção de vida conforme a natureza; a gravidade sem afetação; a solicitude sempre desperta pelos amigos; a tolerância para com os tolos e o não fazer caso dos que largam sentença sem pinga de reflexão; a arte de se adaptar a gente de todo feitio; conversá-lo era encanto que nenhuma adulação igualava, todos sentindo por ele, enquanto o ouviam com o mais profundo respeito; a perícia para descobrir com precisão e método de dispor em boa ordem os princípios necessários à boa conduta da vida; não dar mostras, em tempo algum, nem de cólera nem de nenhuma outra paixão, mas possuir um caráter calmo e ao mesmo tempo afetuosíssimo; o gosto de louvar com discrição; e uma erudição enorme sem resquício de pedanteria.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Última flor do lácio - a reforma ortográfica I

O jornalista José Maria Moreira, que herdou do pai Vivaldi Moreira as lições de como bem escrever, lança-me a luva para falar sobre o acordo ortográfico, objeto de longo e demorado concerto entre as nações da língua portuguesa e agora transformado, por decreto, em adoção obrigatória por todos. Como é natural, a proposição vem proporcionando acesos debates e não menores manifestações de solidariedade em favor de sua validade, tanto quanto opiniões sobre sua desnecessidade. O que existe de fato com nossa língua e que a põe em risco é a invasão maciça de estrangeirismos que a desfiguram e enfraquecem. A história está cheia de exemplos de povos na antiguidade que desapareceram à proporção em que a língua começou a sofrer a dominação por outras mais pujantes. O declínio de Roma teve início quando o latim "aurum" começou a ser substituído pelo latim "castrense". Se em tempos d'antanho a invasão se processava lentamente, nos dias modernos o contato com línguas estrangeiras pode levar à anulação desse elemento fundamental da comunicação humana. Se uma língua não é um ente morto, está em permanente mutação para adaptar-se à vida do povo a que serve, não menos verdade é que uma nação que não a cultiva, não a dissemina pura entre sua mocidade, condena-se a perder sua identidade nacional e, não raro, torna-se presa de modernas formas de conquista.

Última flor do lácio - a reforma ortográfica

O fenômeno vem a algum tempo, desde quando os tecnocratas começaram a aportuguesar um sem número de termos originários do inglês. Com o advento da informática, a invasão evidenciou-se e tornou-se avassaladora. É óbvio não se impõe por decreto o uso ou o desuso de termos lingüísticos. Isso é possível com as regras da ortografia, estas também muito abandonadas ultimamente. Lamentavelmente, o desprezo pelo bom uso da língua é mais notável entre aqueles que, por dever de ofício e posição, deveriam ser os primeiros a esmerar-se no seu trato. O mau exemplo prolifera e produz seus efeitos maléficos em meio do povo, este mais susceptível de acolher os barbarismos e os solecismos a infestarem a fala e a escrita dos nossos dias. Vem agora o novo acordo ortográfico para a comunidade lusófona, impor algumas regras rigorosamente dispensáveis para nós brasileiros. A inclusão das letras “k”, “w” e “y” de há muitos já estavam incorporadas ao dia-a-dia. O trema foi derrogado pela ortoépia, isto é, a fonia das palavras em que ele é usado. Os demais itens da reforma, especialmente a questão do hífen, são de total desimportância para os brasileiros, obrigados a pagar com seus impostos a criação de milhares de novos dicionários apenas para contemplar mudanças de nenhuma significação.

Última flor do lácio - a reforma ortográfica III

. Dizem seus defensores que a comunidade lusófona precisa unificar a língua. A comunidade tem 170 milhões de brasileiros, 10 milhões de portugueses e gatos pingados nas antigas colônias portuguesas na África e na Ásia. A outra dificuldade são as despesas com a mudança dos computadores, atualmente com sistema de correção que necessitará de revisões. Enfim, uma reforma ortográfica absolutamente dispensável quanto à escrita, pois quanto à sonoridade há muito nos distanciamos dos irmãos portugueses. Quando veio a Belo Horizonte o mais conspícuo especialista em ortografia no Brasil, o professor e acadêmico Evanildo Bechara, em palestra na Academia Mineira de Letras discorreu amplamente sobre as vantagens do novo acordo ortográfico, sem sonegar as dificuldades que surgirão à sua aplicação. O que existe atualmente de mais complicado é a substituição das velhas máquinas de escrever pelos computadores. Estes já veem (retirei o acento conforme o novo acordo) com os programas de correção automática, com base no velho e maltratado acordo. Tudo isso custa dinheiro e perda de tempo, especialmente para os governos, obrigados a imprimir milhões de novos dicionários para contemplar as novas regras. Afinal, em meio à gastança governamental generalizada, ninguém reparará.