domingo, 25 de outubro de 2009

Um pouco de Castro Alves

Como faz bem à alma reler versos do imortal baiano!

O FANTASMA E A CANÇÃO
- Quem bate? - A noite é sombria!
- Quam bate? - É rijo o tufão!
- Não ouvis? a ventania
Ladra a lua como um cão.

- Quem bate? O nome que importa
- Chamo-me dor . . . abre a porta
- Chamo-me frio . . . abre o lar
Dá-me pão . . . chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!
- Mendigo! podes passar!

A inapagável ironia do tapete vermelho I

Nada mais patético do que a cena em que os empreiteiros da obra de transposição do Rio São Francisco e áulicos estenderam longo tapete vermelho na Vila do Junco, em Cabrobó, para saída do presidente da República do acampamento onde passara a noite em confortável suíte. A peça foi colocada para evitar pisasse o falante líder petista na poeira nordestina, aquela mesma que, segundo ele, esteve presente nos seus dias de infância pobre no estado de Pernambuco. Na pressa de receber aplausos ou subir ao palanque para mais um discurso sonoro, arrebatado e vazio, o chefe de Governo não foi devidamente alertado para o significado daquele tapete para seus adversários, erigido de agora em diante de símbolo da mais chocante ironia e prova da mistificação em que se transformam as viagens que lançam as eleições num vale tudo desajustado à verdadeira democracia.

A inapagável ironia do tapete vermelho II

A reação que já chegou ao Supremo Tribunal Federal e ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ambos profligando a antecipação da corrida eleitoral com os recursos do erário, põe o Brasil aos olhos do mundo como uma republiqueta africana, onde o que vale é a vontade do rei, pouco importam as leis. O mais instigante ainda é que o presidente anuncia em Belo Horizonte que as viagens vão prosseguir, tosca manifestação de zombaria e desrespeito à Justiça brasileira e às mais comezinhas regras do jogo democrático, que indica ao supremo dirigente do país o mínimo de respeito à regra constitucional da igualdade de todos, No Brasil e no atual governo, alguns são mais iguais do que outros, especialmente aqueles que freqüentam os festins governamentais e se fartam das verbas da custosa publicidade oficial.

A inapagável ironia do tapete vermelho III

Enquanto a guerra deflagrada no Rio de Janeiro despe a imagem do Cristo Redentor no Corcovado, vendida ao mundo para abençoar a escolha da bela cidade como sede das Olimpíadas em 2016, o presidente da República instala seus antecessores na presidência como membros de uma laia, palavra que Houaiss coloca como sempre usada em sentido pejorativo. Meteu no mesmo balaio Juscelino, Vargas, Rodrigues Alves e tantos outros que ajudaram a construir o Brasil, que o presidente da República, em sua incorrigível megalomania, pensa ter começado com ele. Todo este cenário começa a causar grande tristeza na população ao assistir impotente ao desbaratamento das instituições, às agressões à lei e à Constituição, ao deboche institucionalizado e a este triste espetáculo de fanfarronice governamental pago com o dinheiro do contribuinte. O puxa-saquismo que toldou a visão de Lula, ao fazê-lo desprevenidamente caminhar sobre o tapete vermelho, sem o desejar criou o símbolo que vai dominar a disputa eleitoral, especialmente pelo seu toque de farsa. O presidente da República tem sido hoje, sem dúvida, a figura mais usada nas charges humorísticas, carregadas de ironias. Jamais alguém o superou ou superará, pois de nada poderá fazer seu poder, incapaz de cercear a liberdade dos oprimidos na criação das caricaturas.

A inapagável ironia do apete vermelho IV

Abstenho-me de comentar a manifestação de parapatice do presidente Lula ao invocar a possibilidade de Cristo se unir a Judas caso viesse a governar o país. Ato falho do chefe do governo, atacado pela doença da verborréia ao dizer coisas sem qualquer significado, especialmente após opíparos almoços de que participa. Usando de seu habitual jargão, pode-se afirmar, sem medo de erro, que “nunca antes neste país” um presidente da República agrediu com tal desfaçatez e falta de cerimônia as regras fundamentais do regime republicano, que além de fundamentado no Estado de Direito tem normas de natureza ética e moral que são inafastáveis do que se convencionou caracterizar de República. Como ninguém reage, todos se acomodam, oposição e governo transacionam nos esconsos do Congresso pervertido, o presidente com sua verve de animador de auditório vai passeando pelo Brasil amparado pela impunidade quer lhe dão os tribunais. Cristo cuidará do Brasil.

domingo, 18 de outubro de 2009

Um pouco de poesia de Emílio Moura

FRAGMENTO

Fracos e desamparados somos nós.
O medo é nossa bússola.
Na praia deserta
plantamos nossa solidão e nos tornamos náufragos.
Para sempre.

A desmoralizante infidelidade I

O degradante espetáculo oferecido por partidos e políticos no encerramento do prazo de inscrições eleitorais, vem mais uma vez fazer prova de que vivemos num quadro de aberrante artificialismo político e partidário, onde prevalecem os apetites de poder em detrimento de qualquer sentimento ou valor ético. Para acentuar mais este triste sinal da decadência moral da atividade política no Brasil, continuam irrevogáveis os dispositivos legais, feitos letra morta na execução de manobras para saciar o apetite pantagruélico pelo poder e de vantagens pessoais ou grupais. Além da fundação de novas legendas, lembrança perdida das casas de cômodos dos velhos tratados de prostituição, as filiações de personalidades assíduas nos noticiários de jornais ou televisão mostram a nudez de preceitos e princípios que deveriam ser o fundamento de agremiações que pretendem disputar o poder em nome do povo. Nada disto. Um convescote de compadres em torno do fundo partidário e a criação do pacto de não reclamação da legenda pelo partido abandonado.

A desmoralizante infidelidade III

Foi instituída no Brasil a cortesia da ilegalidade, em que todos se articulam para impedir cumpra a justiça Eleitoral seu dever de devolver o mandato refugado ao partido do egresso, o que por lei lhe pertence. Há ainda outra sombra de negritude cobrindo este desmoralizante e sórdido espetáculo de infidelidade, a busca de pequenas legendas a troco de dinheiro, não raro desviado de obras públicas que diariamente sai do ralo da teimosa corrupção que avassala o país. O mais atemorizante é que ninguém pode atirar a primeira pedra, nem mesmo o PT que revogou para sempre seu discurso oposicionista e moralizante com que chegou ao poder. Estamos pagando por um grande pecado do regime implantado pela Revolução de 64, a infeliz e mal pensada decisão de erradicar as antigas legendas, cujas raízes tinham profundidade na alma e no coração dos brasileiros, apesar de suas naturais deficiências. Daí para frente e sem que as novas agremiações obtivessem consistência, inoculou-se nelas o vírus da infidelidade de que dá conta o triste cenário que envergonha o Brasil perante o mundo.

A desmoralizante infidelidade III

. A fidelidade a um partido, mesmo infrutífera, é uma virtude indispensável na política, assim proclamava Disraeli, o grande estadista inglês do século XVIII, ao ser induzido a uma mudança de quadro partidário diante da avassaladora derrota dos conservadores perante os liberais. Mangabeira deixou frase famosa de que “a democracia no Brasil é uma plantinha tenra”. Dita na segunda metade do século passado, pode hoje ser perfeitamente aplicada a continuar esta permanente desfaçatez dos políticos e dirigentes partidários, fazendo letra morta da lei e dos princípios cardeais do velho regime, que Churchill dizia ser o pior, salvo os outros. Todo este quadro de perversão institucional conduz invariavelmente a este deplorável estado de indigência a que o país foi relegado, acocorado diante de repetidas agressões que contra ele são praticadas. Ninguém reage, todos se acomodam e tudo vai de cambulhada para o abismo.

A desmoralizante infidelidade IV

Não há nação que resista ao interminável processo de apodrecimento de suas instituições, semelhante ao que ocorre no Brasil. Cessadas as referências balizadoras do comportamento dos cidadãos, ingressa-se no regime do vale-tudo e do salve-se quem puder. Na longa caminhada dos povos pela terra só subsistiram aqueles que seguiram velhos conselhos da prudência e da sabedoria, não esparramando espinhos pelo caminho quando a maioria anda descalça. O espetáculo circense oferecido pelo presidente durante a visita às obras de transposição das águas do Rio São Francisco, desafiando e agredindo a lei eleitoral, provou a tese que venho construindo de que, pela sua incrível capacidade de comunicar e mistificar, o presidente brasileiro é notável animador de auditórios, agora confirmado na cena burlesca da distribuição dos senhas para oferta de casas sorteadas. Só lhe faltam idéias.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

De um poema de Henrique Lisboa dedicado a Alphonsus de Guimaraens

Eu te abençôo,
poeta dos pensamentos últimos,
pela delicadeza do teu vôo
de pássaro ao crepúsculo. . .
Pelo evocar do sino que badala
às horas virginais da missa.
E amo-te, pela ternura com que calas
o enlevo e a timidez das primeiras carícias.

Pela paz que derramas sobre as almas,
pelas calmas
solidões em que além dos mundos meus,
tua lira dolente
estreleja e viceja.
Santo Alphonsus! Bendito e amado sejas
no coração dos homens e de Deus,
sobre a terra e na glória eternamente!

De um poema de

O caso Polanski e a força do direito I

Os antiamericanistas radicais não devem ter gostado da prisão na Suíça do cineasta Roman Polanski, autor de crime sórdido e repugnante ao estuprar uma menina de 13 anos, depois de drogá-la e embebedá-la com inaudita violência. Como nos Estados unidos ninguém está acima da lei, o famoso delinquente foi condenado, fugindo para a França, onde se homiziou. Passaram-se 32 anos quando o braço da Justiça o apanhou ao desembarcar para um festival de cinema. Sua prisão provocou protestos de outros personagens ligados à arte cinematográfica. O depoimento da vítima Samantha Gaylei foi horripilante e deixou desnuda perante o mundo civilizado a face torpe de um criminoso cruel e debochado, somente cultuado pelos destituídos de sensibilidade moral. O que vale assinalar no episódio é que, nos Estados Unidos, ninguém escapa da punição, seja de que origem for ou de que classe social possa pertencer.

O caso Polanski e a força do direito II

Morreu agora na prisão Susan Alkins, uma das autoras do famoso massacre que vitimou Sharon Tate, esposa de Polanski. Charles Mason, o principal responsável por toda aquela manifestação de loucura coletiva num festival de moderninhos da época, está apodrecendo na prisão. Depois de mais de três décadas fugindo e se escondendo, alcança Polanski o braço da Justiça norteamericana e ao ser extraditado da Suiça, com quem o estado americano mantém acordo, passará o restante de seus dias na cadeia. Os radicais antiamericanistas espalhados pelo mundo ainda não se deram conta de que a força e o poderio americano são resultantes de seu permanente acatamento à lei e ao direito. Mais do que da força das armas. Dominado por uma cultura calcada na ética religiosa cultivada pelo protestantismo, que em certos períodos de sua história ganhou foros de indesejado fundamentalismo, o povo americano oferece ao mundo o espetáculo diário de liberdade e crença nos valores superiores da civilização.

O caso Polanski e a força do direito III

Os níveis de riqueza alcançado durante períodos de abundância ou de depressão, jamais permitiram fosse a lei desmerecida ou desrespeitada no grande país do norte. Esta é a regra geral na sociedade americana. O cinismo dos signatários do pedido de liberdade para Polanski ao alegar que sua prisão ofende os princípios da liberdade de expressão, feita à véspera de um festival de cinema, clama aos céus. Deixá-lo passear sua impunidade pelo mundo, exibindo as cicatrizes de seu caráter e os estigmas do crime hediondo que praticou, isto sim, seria agressão aos mais comezinhos princípios da liberdade, que, felizmente, encontraram por parte da Justiça americana o resgate pela lei e a Justiça. Réu confesso, fez acordo não cumprido com a Justiça, dela se evadindo para ser agora apanhado em sua malha fina, que nos Estados Unidos tanto encarcera o gatuno Mendoff, que deu prejuízo de milhões aos compradores de ações na bolsa, quanto famosos jogadores de beisebol ou o autor de pequenos furtos. Fortes são as nações onde nada se sobrepõe ao Direito, à lei e à Justiça.

O caso Polanski e a força do direito IV

Aqui entre nós, e disto a opinião pública toma conhecimento diariamente, aplica-se à saciedade o dispositivo legal que prevê a redução progressiva da pena dos mais perigosos delinqüentes, que, tão logo deixam o regime carcerário, voltam sistematicamente à prática de crimes semelhantes aos que deram causa à sua prisão. Outro dispositivo antiquado é aquele que permite aos presos de bom comportamento a saída nos finais de semana. Sem maiores cuidados no exame dessas situações, quase sempre os jornais dão notícias de detentos que saem no usufruto deste dispositivo da lei brasileira, evadem-se e jamais voltam às prisões. Tome-se como modelo o caso do cirurgião Hosmany Ramos, que usufruiu desta vantagem e hoje passeia sua impunidade na Europa. O Brasil clama por modificações no seu sistema processual penal, que impeça a autores de crimes classificados como hediondos, respondam em liberdade e dela continuem gozando como o caso famoso do jornalista Pimenta Neves, condenado a 19 anos de cadeia e solto como um passarinho.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O famoso Capitão Pedro e o "violino". I

No dia em que a imprensa noticiou a inclusão da cidade de Governador Valadares como das mais violentas do Brasil, lembrei-me de imediato, com saudades, do famoso Capitão Pedro e sua história, cuja ação derrotou o banditismo nas regiões do Rio Doce, Mucuri e Jequitinhonha. Aparece em boa hora o livro de Klinger Sobreira de Almeida, com o sugestivo título de “Um certo delegado de capturas, o romance de um mito-herói”, que conta a saga daquele militar exemplarmente sério e cumpridor de seus deveres no exercício da dura missão de combater delinquentes. Ao tempo de minha atividade política, conheci e mantive boas e cordiais relações com o capitão Pedro. Se não por sua figura humana, igualmente pelo desejo de prestigiar-lhe a ação contra a propagação do crime de encomenda, não raro ligado a chefetes políticos.

O famoso Capitão Pedro e o "violino". II

. No cumprimento de sua missão, o Capitão Pedro era inflexível e nada o afastava do objetivo de apurar e prender criminosos ligados ao establishment político dominante. Em meu primeiro contato com ele ocorreu circunstância singular, que a leitura do livro do coronel Klinger reavivou em minha memória. Resolvi contá-la nesta crônica e o faço em homenagem ao personagem e ao autor do livro. Estudante de direito, trabalhava no gabinete do Chefe de Polícia Davidson Pimenta da Rocha. Chegaram graves e bem fundamentadas denúncias da existência de jogo aberto na cidade de Teófilo Otoni, sob o patrocínio e acobertamento da autoridade policial. Talvez por saber da existência de muitos de meus parentes residentes naquela cidade, Dr. Davidson atribuiu-me a missão de ir lá fazer apuração reservada.

O famoso Capitão Pedro e o "violino". III

Tomei o avião até Valadares, indo imediatamente à procura do já mitológico Capitão Pedro, que me aguardava. Recebeu-me com a habitual cortesia, apesar da fisionomia severa, em seu local de trabalho, em cujo cabide estava dependurado o famoso chapéu que se tornou marca indelével de sua figura. Dei-lhe conta de minha missão e as instruções para prosseguir viagem até o objetivo final, em conversa a que não faltaram algumas crônicas de sua já reconhecida capacidade como policial. Ligado à atividade musical de Belo Horizonte, chamou-me a atenção uma caixa de violino colocada ao lado de sua cadeira, de onde não mais despreguei os olhos mordido por natural curiosidade de encontrar, naquele gabinete de homens duros, instrumento sempre tocado por mãos suaves. Antes de me despedir, não resisti à tentação de perguntar: “Capitão Pedro, o senhor toca violino?”. Sem dizer palavra, apanhou a caixa atrás de sua cadeira, colocou-a sobre a mesa, abriu-a e, para minha surpresa, havia dentro uma metralhadora. Era atitude de vigilante prudência de quem estava sempre na mira da vindita dos bandidos que colocou na cadeia.

O famoso Capitão Pedro e o "violino" IV

Quanta saudade do Capitão Pedro têm os habitantes daquela região. Se vivo fosse o famoso militar, a cidade de Governador Valadares e a região não teriam vencido o triste e vergonhoso campeonato da violência. A verdade é que, ao tempo do Capitão Pedro e sua equipe, a bandidagem não tinha a liberdade de atuação de que hoje desfruta, mesmo levando em conta esforços do governo para prestigiar a ação policial. Não comporta este texto avaliação acerca das razões que justificam o crescente aumento da violência nas cidades maiores, entre as quais Valadares ganhou desagradável proeminência ao lado de Contagem. O fato é que a insegurança da população atingiu níveis insuportáveis. Muitos dizem que não há solução, enquanto massas empobrecidas e analfabetas prosseguirem em sua diáspora do meio rural em direção à periferia das cidades, fazendo do crime instrumento para saciar a fome. Apenas uma meia verdade, pois há casos no mundo (Nova York, Bogotá, por exemplo) em que os prefeitos criaram o programa tolerância zero, e, em pouco tempo, reduziram a criminalidade a ponto de tornarem essas cidades as mais seguras do planeta. Que voltem à cena os “capitães” Pedro.