domingo, 2 de agosto de 2009
CORRUPÇÃO, FEBRE SUINA, CRISE E DOM QUIXOTE
Para cumprir o prazeroso compromisso de produzir uma crônica jornalística todos os sábados, os acontecimentos que observamos diariamente são pouco inspiradores. A qualquer hora do dia, a notícia invariavelmente é a mesma: corrupção, gripe suína, com as quais são gastos preciosos minutos que poderiam ser empregados em coisas mais amenas e agradáveis. Maltratada a paciência dos nacionais, prossegue seu espancamento na cansativa descrição das atrapalhadas senatoriais, continuando o martírio com a interminável e enfadonha descrição do acidente que quase inutiliza o automobilista Felipe Massa. Para fugir ao tédio que tudo isto provoca, tenho por hábito incursionar diariamente nas obras completas de Machado de Assis, maneira prática de fugir das inevitáveis conclusões a que nos conduz esta paralisia que acomete os meios de comunicação do Brasil. Fora desta mesmice, apenas a obsessiva publicidade oficial na construção fantasiosa de um narcisismo doentio e inconseqüente, única maneira encontrada pelo oficialismo para obnubilar um pouco os efeitos que a crise, o desgoverno e as atrapalhadas governamentais causam na opinião pública e arranham a imagem do Brasil. Num dos volumes de crônicas do mais famoso e exuberante escritor brasileiro encontrei um folhetim datado de 24 de outubro de 1864. Provocou em mim profunda descrença com relação às coisas de nosso país. Diz Machado: “É uma santa coisa a democracia – não a democracia que faz viver os espertos, a democracia do papel e da palavra, - mas a democracia praticada honestamente, regularmente. Quando ela deixa de ser sentimento para ser simplesmente forma, quando deixa de ser idéia para ser simplesmente feitio, nunca será democracia, - será espertocracia, que é sempre o governo de todos os feitios e de todas as formas. A democracia sinceramente praticada, - tem os seus Gracos e os seus Franklins; quando degenera em outra coisa tem os seus Quixotes e os seus Panças, Quixotes no sentido da bravata, Panças no sentido do grotesco. Arreia-se a mula de um e o rocinante de outro. Cinco palmos de seda, meia dúzia de vivas, uma fila de tambores, - é quanto basta então para levar o povo atrás de um fanfarrão ao ataque de um moinho ou à defesa de uma donzela”. Foram palavras admiráveis como estas que levaram a escritora irlandesa Edna O’Brien a confessar na televisão sua paixão pelo escritor, desde o primeiro livro dele que teve oportunidade de ler. Projetadas para os dias de hoje, parecem ter sido escritas ontem, sobretudo quando é possível aplicar o neologismo espertocracia ao regime atual, igualmente deturpado pelos feitios e pelas formas, no ventre do qual medra o golpe, o crime organizado, o acesso ao pódio dos mais capazes de produzir o rombo mais brilhante e rendoso, premiados sempre com a larga impunidade. Ruflam os tambores da publicidade alimentando o narcisismo, metros de seda enfeitam os palanques eleitorais para ensejar às claques amestradas os vivas que alimentam a popularidade dos governantes, enquanto segue a procissão do povo inculto aclamando os Quixotes e os Panças do dia. O que mais impressiona nas palavras do grande escritor brasileiro e fundador da Academia Brasileira de Letras e seu primeiro presidente é a desagradável sensação de que o país, a nação, seus políticos e seu povo, não amadureceram, cometendo os mesmos erros, praticando os mesmos desatinos, escolhendo delegados despossuídos de melhor titulação para representá-los. Avançam os anos e a cada nova garimpagem pela história vamos encontrar exemplos de atitudes insensatas praticadas há séculos e reapresentadas agora com níveis de sofisticação e aperfeiçoamento em suas formas delituosas. Tudo muito triste e desalentador na constatação de que esses maus exemplos de comportamento espalham-se pelo país afora e irão contaminar a mocidade, que, mais que nunca, precisa de modelos de dignidade e patriotismo em que se espelhar.
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