quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O debate sobre direitos humanos no Brasil

Sinceramente, não sei se a grande maioria das pessoas acompanha o interminável debate, proposto pelo governo, a respeito da revisão da lei da Anistia e dos direitos humanos. O palavrório é interminável, sem que consiga colocar sob foco o principal problema dos direitos humanos no Brasil:
o direito à educação
o direito à saúde
o direito à segurança
Não há uma palavra sobre esses três assuntos, enquanto a população amarga um dos piores sistemas educacionais do mundo, vive padecendo nas filas dos hospitais e a segurança individual e coletiva está em frangalhos.
Evitar esses temas é simplesmente ignorar o essencial

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Um poema para tempo de paz e reconciliação

CRISTO NO GOLGOTA
Francisco Moniz Barreto (Bahia, 1804-1868)

Ao martírio da Cruz, de bens fecundo,
De Deus caminha o plácido cordeiro;
Em denso véu de trevas o luzeiro
Do dia se retrai com dó profundo!

Ao vozear do bando furibundo,
Treme do Gólgota o sagrado outeiro;
Dos rebatidos cravos do madeiro
Brotam faíscas que dão luz ao mundo!

Alí, de sangue lágrimas vertendo,
Das virgens a suprema majestade
Ao suplício do filho assiste horrendo!

Cumpre-se a farisáica atrocidade:
Aos seus algozes o perdão dizendo,
Morre o Cristo e . . . renasce a humanidade"

domingo, 3 de janeiro de 2010

Manoel Rabicó e a Missa do Galo I

Na poesia de Dante Milano, impressa pela Academia Brasileira de Letras, deparei com estrofe do poeta goiano sob o título “O bêbedo”. Achei-a ajustada às comemorações natalinas, quando todos se entregam ao prazer das reflexões solitárias ou às libações para os brindes de felicidades para o ano próximo. Ei-la: O bêbedo que caminha/ Que mantos arrastará?/ Que santo parecerá?/ Gaspar, Melchior, Baltasar?/ Um miserável não é/ Logo se vê pelo gesto,/ Pela estranheza do olhar./ O bêbedo que caminha/ Que rei bêbedo será?” Trouxeram-me à lembrança Manoel Rabicó e sua estranha figura. Ela povoou meus tempos de menino. Ressurge do poema que me deu a sensação de haver sido composto e inspirado naquele homem de cor negra, a andar errabundo pelas ruas da cidade, deixando escapar de sua boca palavras ininteligíveis, em timbres soturnos como se bêbedo estivesse. Seria de fato cidadão? Ninguém até então encontrava explicações para a enigmática origem de Manoel Rabicó. Manoel era seu nome, Rabicó talvez lhe tenha sido posposto tirado do “Marques de Rabicó” de Monteiro Lobato. Ele mesmo gostava de se chamar “Negrinho”, com o que pedia comida na porta de quantos o conheciam e o sabiam inofensivo, salvo quando a criançada o perseguia com gritos e maledicências.

Manoel Rabicó e a Missa do Galo II

Andava sem rumo, com uma manta surrada lançada sobre o ombro direito, uma espécie de manto a dar àquele pobre doido certo toque de realeza. Afinal, não são os mantos, as coroas e os cetros que fazem dos homens reis? Rabicó assumia atitudes estranhas quando das festividades tradicionais da cidade. De onde proviera sua loucura? Era entendida por alguns como conseqüência da pobreza e da miséria em muitos lares daquele interior perdido, onde a fome e a bebida causam tantos males, inclusive a demência. A cidade acostumara-se com Rabicó e ele a percorria como se estivesse em busca do infinito, sem direção e sem objetivo. Ninguém atinou com as razões pelas quais ele sempre se detinha em posição contemplativa à porta das inúmeras igrejas. Cessava seu palavreado confuso e destrambelhado, punha-se silencioso com seu olhar vago e indefinido para os ícones mais destacados dos altares. Não era perturbado neste seu curto solilóquio. Continuava sua peregrinação errante pelas ruas. Na véspera do Natal, Rabicó ficava ainda mais enigmático em sua perturbação mental. Quando os moradores se movimentavam para a Missa do Galo, dele não se tinha notícia.

Manoel Rabicó e a Missa do Galo III

Quando os moradores se movimentavam para a Missa do Galo, dele não se tinha notícia. Onde andaria o Negrinho? Não consumia bebida. Esgueirava-se pelos cantos escuros das vielas como espectador privilegiado dos ruidosos homens e mulheres em trajes de gala para a celebração do nascimento de Jesus. Saberia ele deste acontecimento? Na escuridão da rua sem iluminação, depois da saída de todos, Rabicó entrava pela porta lateral da igreja e coberto com seu manto andrajoso ficava sem ser notado diante do presépio ali armado. Que quereria dizer aquele menino deitado num pequeno e humilde berço, cercado de cordeirinhos, burros, jumentos e de três homens trajando mantos iguais ao dele ajoelhados em oração, certamente inquiria na mudez de seu silêncio. A igreja estava vazia. Apenas ele e o presépio, clareado pela luz bruxuleante do candeeiro. Ajoelhou tal e qual os homens de mantos nos ombros e coroas sobre a cabeça. Ninguém sabe se fez alguma oração. Apenas o sacristão espreitava de longe a cena, percebendo grossas lágrimas correndo pelo rosto cansado e sofrido de Rabicó. O alienado havia entendido a mensagem do milagre. Na cidade, homens e mulheres riam e dançavam.